quinta-feira, 7 de julho de 2011

E o dia nasceu tão belo...

 Quando amanheceu a quinta-feira daquela semana (para muitos, apenas mais uma semana), todos agiram como sempre agem: levantaram da cama, tomaram banho, se arrumaram, engoliram café, e seguiram seus rumos.
Se um desocupado olhasse pelo céu (desocupado, pois só um desocupado perderia tempo encarando céu àquela altura da manhã), perceberia algo diferente.
Não algo novo, mas algo que fizera falta na última semana.
Naquela quinta-feira, o céu amanheceu azul.
Azul e sem nada de especial. Apenas o bom e velho sol brilhando por entre poucas nuvens num céu que era de um tom azul nada mais do que o comum.
E o que havia de tão especial naquela alvorada? O fato de ser o primeiro nascer do sol azul em dias.
Começara uma semana antes, no que fora chamado de “alvorada sangrenta”, em que o dia nascera vermelho e escurecido, com tons de sangue por todo lado.
O efeito havia sido verdadeiramente devastador: era o fim do mundo para alguns, era a ira da natureza para outros. Mas havia algo em que todos concordavam: a humanidade tremia de medo sob um céu escarlate.
Escolas fecharam, hospitais lotaram de hipocondríacos. As ruas vazias e rubras pelo céu. Mendigos gritando sobre o julgamento divino.
Vôos cancelados. Caos. Queda da bolsa de valores. Presidentes apressados, inteligências postas contra a parede.
Jornalistas em polvorosa.
Mas a noite veio sob o mesmo véu branco da lua, como se nada houvesse jamais se passado sob aquela estratosfera, e o povo pôde dormir em paz, sonhando com o azul do céu no dia seguinte.
Não é preciso dizer que o dia seguinte foi igualmente desolador.
A coisa assumiu um caráter concreto. Não havia sido um incidente nem isolado, nem passageiro. Os saques começaram. Estupros, assassínios, incêndios, roubos.
O clima de fim do mundo nunca havia sido tão sério.
Naquele dia, tudo o que as pessoas queriam era se verem livres daquele céu, mesmo que aquilo significasse a noite. A noite, pelo menos, ainda era normal.
Começou a chuva de raios, como varas pelo céu magenta, cortantes e assassinas.
Fogo e morte por todo lado, o céu vermelho encarava a todos com seu único e terrível olho de conjuntivite.
Suicídio em massa.
Cultos religiosos inteiros se reuniram como irmãos e puseram fim às suas vidas.
Caos era a palavra de ordem, e caos era que as pessoas queriam, e caos era o que as pessoas tinham.
A noite nunca veio. A humanidade caminhava ao seu fim, e os jornais só apareciam espasmodicamente, quando mostravam algo.
“Conflitos no oeste da Ásia se intensificam”, “Golpe militar nas Antilhas!”, “Morre o presidente da Grécia por atentado da esquerda”.
“EUA declara estado de sítio: presidente renuncia ao cargo após a morte de 27 dos 50 governadores”.
Essas foram as últimas notícias divulgadas antes de todas as linhas de rádio caírem por falta de manutenção. Nesse mesmo dia, os relógios de todo o mundo começaram a andar para trás eternamente. Sem distinção entre dia e noite e sem relógios para olhar as horas, os sobreviventes dos três dias de terror só tinham a opção de ser esconder o máximo possível, pois os ataques de vândalos eram constantes.
Com o tempo, uma espécie de ordem foi formada: gangues de bairro sobreviventes formaram grupos de controle, estabelecendo territórios próprios em cidades-fantasma. As gangues cresceram em números, em pouco tempo, até o ponto de entrarem em guerra entre si, por comida, água, território. O dinheiro não valia mais nada, e a única diferença entre as pessoas era apenas de força, como a lei das selvas.
Todo o pandemônio instaurado nos primeiros 6 dias da semana de sangue foi completamente cessado na verdadeira alvorada sangrenta, a quarta-feira de que ninguém jamais esqueceria.
As nuvens amarronzadas e doentes se aglomeraram pelos céus, tapando o sol vermelho por completo.
Pessoas saíram de casa e olharam esperançosas pelas janelas, esperando pela chuva, esperando pelo perdão, pela clemência.
E a chuva começou. Mas não era água que caía das nuvens doentias.
Era sangue.
A chuva foi tão forte e tão devastadora que alagou cidades inteiras ao redor do globo, a tal ponto que, se alguém pudesse ver a Terra do espaço, veria apenas um globo sangrento, vermelho até o núcleo, coberto e contaminado pelo sangue sujo do céu.
O caos nunca teve tanto peso quanto naquele momento. Pessoas enojadas corriam pelas ruas e tentavam se esconder, mas o sangue era denso e coagulava na pele. O sangue não era absorvido pela terra, o sangue ficava.
A Terra estava doente, e havia uma doença no ar. Uma doença letal, que espalhava por tudo que existia e sentia, uma doença que lhe fazia morrer enlouquecido, com sangue jorrando pela sua boca, sangue e vômito.
Essa doença matou todo o restante da população da Terra em menos de um dia, e os que sobraram jamais se esqueceriam do viram depois.
O céu e a terra se abriram para a batalha mais importante da existência, a única batalha que importava. A batalha que decidiria o futuro da Terra.
Por todos os vivos e mortos, a batalha acabou.
E, no dia seguinte, o dia nasceu azul claro como nunca e como sempre fez.
O dia nasceu tão belo, e ninguém ligou.




Será possível que isso acontece toda quarta-feira?

4 comentários:

  1. Oi, Matheus. :), adorei. Achei totalmene caótico e bem parecido com a minha vida ultimamente. Queria que acontecesse isso e, principalmente, as instituições de ensino explodissem.

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  2. que mente mais insana. Ganhou a minha de lavada XD

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  3. acho que pouca gente que leu esse texto (ok, já foram poucas pessoas que [i]realmente[/i] leram o texto - espero que o itálico funcione, não faço ideia de como fazê-lo num comentário) percebeu que, no final, a coisa toda se envelopa, e tudo volta ao normal. Passa-se uma semana completa, a quarta-feira acaba e amanhece uma quinta feira comum como qualquer outra, o céu volta a ser azul, e é como se nada tivesse acontecido.
    Ninguém morreu, e ninguém tem memória do que aconteceu.
    Por isso ninguém liga para o céu nascer azul.

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