domingo, 31 de julho de 2011

July, the 31st

E hoje é o último dia de férias.
"O" último dia.
A partir de amanhã, a vida vai ser bem diferente.
corridacorridacorrida.
Hoje eu vou cortar o cabelo, coisa que negligenciei nas últimas duas semanas.
Vou conversar no msn com meus amigos e dizer para mim mesmo "é, Matheus, acabaram as férias".
Não que eu tenha curtido as férias especialmente, claro.
Tendo que ir ao curso de férias (o que eu adorei, btw), eu não pude nem passar um noite acordado vendo tv/lendo/assistindo algum filme, e a minha semana de folga foi a semana passada, e, nela, eu não fiz n-a-d-a.
Blame it on me, though, eu poderia ter saído ontem, mas meu programa não deu certo, então ontem à noite a única coisa que eu fiz de especial foi ver Saturday Night Live (com Elton John) - o que não foi legal, porque os pilantras da Sony cortaram boa parte do programa.
Meu estudos... Bem, deixem meus estudos para lá por enquanto. Basta saber que foi um mês bastante produtivo para o meu russo - melhorei meu vocabulário, minha pronúncia, minha gramática, et cetera.
Para o inglês, este também foi um mês bastante legal - mas isso vocês já sabem.
Para qualquer outra coisa - tá bom, tá bom, eu não fiz nada de mais, só estudei umas quatro vezes, mais por culpa do que por força de vontade!
"Cabeça vazia é oficina do Diabo".
E ele fez a festa nesse mês.
Hoje à noite eu vou preparar um mega-material revisatório para mim, de russo, então, se algum de vocês, leitores-fantasmas, me vir estudando e respondendo questões amanhã, já saberá o que é.
Tive uma idéia fantástica hoje, mas eu não acho que vá ser muito bem recebido nos meus mini-contos de horror, como não fui no conto sobre um homem morto - quase todo mundo que leu (umas 6 pessoas) achou ele confuso e estranho demais, uma até achou ele assustador.
Quem sabe eu possa trancrevê-lo da minha cabeça para a tela branca inóspita do word hoje à noite.
Quem estiver ansioso - ninguém -, pode voltar no meio da madrugada que ele provavelmente estará de pé.
A partir de segunda começa o The Morning Gazette, que eu vou tentar fazer ser o mais breve possível e não pecar em descrever os eventos dos dia anterior e as minhas esperanças para o dia que virá.
Bom dia e boa tarde a todos.
Dias melhores virão, e hão de vir, não se esqueçam.

sábado, 23 de julho de 2011

ESTE É UM CONTO SOBRE UM HOMEM MORTO

Ele correu pela rua estreita e escura, na fria noite.
Acima, o céu o encarava de face nua e sem estrelas.
Aos lados, muros impassíveis.
Abaixo, um chão de negrume tão denso que poderia desfazer-se e engolí-lo.
Atrás e à frente, nada.
Mas ele corria. Não havia nada que o perseguisse mas ele corria.
Eis aí um homem fugindo de si mesmo.
Ele corria e não sentia. Ele corria por inércia, e não sentia.
Ele corria como quem vive e como quem morre.
Ele corria como um idoso que continua a viver e encarar o tempo por puro hábito.
Ele corria como um louco.
Mas há algo além de um homem que corre numa noite escura nesse cenário.
Há fuligem.
Caindo como neve no chão, desaparecendo no ar e no chão, pois até o que respirava era pura escuridão.
A fuligem cobria seu corpo inteiro. Sua roupas, seu rosto, seus cabelos indefinidamente lisos. Um homem sem face numa noite que não parecia noite, mas sim algo mais cruel, mais profundo, mais terrível.
Ele corria, e agora parava. A ruela chegara ao fim.
Diante de si, um muro imponente, negro como qualquer outra coisa naquela noite, armadurado com camadas e camadas de fuligem.
Havia um homem parado agora.
O homem não era um homem.
O que antes corria se encostou de costas na parede e encarou a face sorridente do homem parado.
"Temo que seja tarde demais para você, jovem", ele disse, "Temo que seja tarde demais...".
O outro apalpou a parede, procurando uma saída milagrosa, uma passagem secreta, qualquer coisa que viesse, desde que o tirasse da vista do homem.
Ele o encarava nos olhos, e ele enlouqueceria com aquele olhar.
Um clarão veio no céu, e por um momento ele pôde ver o homem parado - mas ele sabia muito bem que o outro podia vê-lo o tempo todo, claro como o dia.
A face diante dele era a face de alguém que simplesmente não podia existir.
Os anos de um homem se pesam no seu rosto, enrugando-o, destruindo-o, cansando-o.
O rosto do homem que encarava não tinha nada disso. O sorriso infantil de deboche estampava no seu rosto uma satisfação nefasta sob olhos extremamente sábios, e extremamente velhos.
Alguém que sempre esteve e sempre estará.
Nenhum dos tijolos da parede cedeu.
Nenhum herói apareceu.
Não houve nenhum túnel escondido pela fuligem.
Mas aquele breve momento se suspendeu no ar, um momento de compreensão súbita, uma epifania.
Por um segundo, ele viu todos os seus arredores, ouviu todas as línguas, soube todas as profecias.
Por um segundo, ele sabia de tudo que poderia ser sabido.
Por um segundo, ele viu tudo que tinha para ser visto no mundo - nos mundos.
Por um segundo, ele soube de coisas tão horríveis, coisas que nunca deveriam ter sido feitas, ditas, presenciadas ou narradas.
Por um segundo, ele sentiu a loucura.
O segundo passou.
O segundo passou, e ele só podia esperar pela conclusão dos fatos.
O homem sorriu novamente.
Dessa vez, não houve clarão.
Só houve escuridão.
Escuridão líquida, invandindo o seu corpo.

O homem que corria se afogou na escuridão que o cercava.

O homem que corria acordou no escuro.
Numa noite sem estrelas, numa rua deserta.
O homem que corria acordou correndo.

Matheus e a Chuva, o Ar, o Mundo - e coisas que ninguém quer saber.

Não que alguém que se importe, claro, em saber o que eu penso, mas eu assumo que, se você está no meu blog, você no mínimo quer saber de alguma coisa sobre mim - mesmo que seja só para criticar depois.
Se for para criticar, saiba logo que eu adoro discussões.
Eu tenho o péssimo hábito de começar a sorrir toda vez que a discussão fica interessante, quando eu tenho um argumento engatilhado, ou quando eu percebo que encontrei alguém tão teimoso quanto eu - Igor que o diga.
Isso acaba por passar a imagem errada de que eu a) sou muito arrogante, ou b) não tenho mais argumento nenhum.
Alguns talvez se perguntem: "o que demônios isso ai tem a ver com alguma coisa?".
Eu respondo: nada.
Mas é você que está lendo o texto, então, te vira mermão, acha algum sentido ai!
Mudando de assunto, eu estou meio perdido nesse momento. Minhas férias perto do fim, e eu não fiz nada de importante. Aquela vida de day-by-day vai recomeçar e eu vou só assistir.
Seria muito bom, sabem? Viajar sozinho para algum lugar longíquo, de preferência uma lugar de língua desconhecida. Mudar, mudar, mudar. Essa é a palavra de ordem.
Sei que muito de vocês, pessoas com sérios problemas psicológicos, caso já tenham chegado nesse parágrafo sem se perguntar por que raios está lendo essa coisa, talvez pensem que eu só tenho baixa auto-estima, o que precise de uma boa dose de realidade, algo do tipo.
Às vezes eu mesmo me pergunto isso.
Às vezes eu me pergunto se eu realmente quero que alguém leia o que está aqui escrito, ou se eu simplesmente escrevo para algum passante ocasional observar-me bancar o bobo com o mesmo interesse que damos aos mendigos e artistas de rua.
Hoje eu decidi que eu quero ser lido.
Um texto que não é lido é como uma árvore que cai no meio de uma floresta densa sem ninguém para vê-la e ouví-la cair: ela não cai.
Pensei em alguns contos bastante macabros. Pensei n'A Ponte. Pensei em filmes que eu vi, livros que eu li, pessoas que eu respeitei e que me traíram. Pensei nas minhas manias idiotas de me repetir.
De quebrar parágrafos no meio para dar intensidade. De ser uma antítese mal-feita. De pensar-me como tudo e como nada.
De ser eu.

No final das contas, eu quero e não quero que alguém leia esse texto - "nossa, nem notamos pelo título".
Acreditem: ninguém dá a mínima para isso.
Sábado e domingo - viagem.
Segunda - última dia do curso de férias.
Terça - quem sabe, ir numa livraria e comprar um bom livro para ler numa noite silenciosa.
Quarta - quiçá, quiçá, quiçá.
Quinta - deitar na cama e me contorcer por estar na última semana de "férias".
Sexta - talvez estude um pouco, talvez não estude, talvez esteja morto até a sexta (morri de desgosto pela quinta).
Final de semana - "tempo de despertar".
E essa é a minha programação para a próxima semana.
Vai acontecer tudo isso. Não porque eu queira que isso aconteça, mas simplesmente porque vai.
Sou bastante previsível, não é?
A não ser, é claro, que algo mude.
A não ser que alguém diga.
A não ser que eu faça algo de diferente (tomar vergonha e fazer algo de diferente).

"No final das contas, somos todos sobreviventes de nós mesmos.
Lá, nas prisões do finito, ousar ser eterno:
Amor como atalho e labirinto.
Mas, se não estiver morto,
Sonhará porto por perto.
Anoiteça o que anoitecer, coração aberto."
A Coragem do Primeiro Pássaro
André Dahmer

É, um dia, não é?
Quem sabe um dia...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A Rainha-Mariposa - Parte Dois


A avenida estava vazia nos dois sentidos. “Merda... Se eu tivesse saído mais cedo, talvez...”, pensou, “Não, eu não posso. Tenho que acabar com isso logo.”.
Acelerou o carro – um carro do ano, lógico, típico de meninos-prodígio como ele – pela avenida, à procura de uma chance. Foi quando percebeu que não era mais ele ao volante. Viu-se esticando os segundos enquanto as mãos trabalhavam habilmente no volante. Viu-se como um pequeno inseto vendo um corpo gigantesco funcionar. Ele não sentia mais seus membros, seu corpo ou sua cabeça.
Só os olhos pareciam obedecer, e, enquanto via seu corpo se mexer sozinho, seus olhos pairaram sobre a mata à outra margem da estrada. De repente o carro deu uma guinada. Estranhamente ele não sentiu a guinada propriamente dita, mas sentiu a mudança de gravidade e sentiu-se puxado para a esquerda.
Perdeu o controle completo do seu mundo e as cores sintetizaram-se em tons de cinza. O carro seguiu perpassando a avenida transversalmente, invadindo o meio-fio e a outra pista e então a reserva florestal que o aguardava no outro lado.
O fedor começou a se intensificar naquele momento eterno, enquanto todas as cores desvaneciam ao preto-e-branco, conhecidos tons de cinza.
Forte demais, e ele sentiu aquilo se solidificar na sua traquéia, tapando a respiração.
O tempo fluía devagar, enquanto ele sentia o carro finalmente alçar vôo pela lateral da avenida, e o mato tornar-se sua única paisagem.
O fedor ficou sufocante. Sentia-se estrangulado por mãos invisíveis.
Viu seu próprio corpo sacudir como um boneco e o carro girar como uma grotesca e mal-acabada bola de futebol. Mas ele não sentia nada disso: flutuava.
Flutuava acima de tudo aquilo, numa vaga impressão de sonho, enquanto tudo ao seu redor escurecia, e a noite tomava conta de sua mente.

                                                  – – – – – –

Acordou de cabeça para baixo num corpo que parecia estranhamente alheio, mas familiar.
Sua experiência extra-corporal parecera um sonho, mas ele sabia que fora real.
Não que isso realmente importasse a essa altura da história.
Não, agora era tarde demais.
Gemeu sonoramente. “Incrível,”, pensou, “devo ter rolado mais de vinte metros dentro da mata, mas mesmo assim só devo ter alguns arranhões. Sou um fracasso até em suicídios.”.
Essa idéia o fez rir, mas não tanto, já que sua boca estava dolorida.
Checou o bolso da calça, e constatou estranhamente alegre que, do grande acidente, apenas o fiel isqueiro havia saído ileso.
Mas tinha algo estranho, algo fora do lugar. Aquela mata não parecia tão espessa vista da avenida. De fato, tudo estava diferente e estranho.
Mas ele não notou isso. Estava ocupado demais regozijando-se com a vida nova.
Tão ocupado que não notou que não estava sozinho.
Tentou soltar o cinto de segurança, mas estava travado naquela posição.
Um farfalhar quase passou despercebido na grama. Tentou virar o pescoço, mas este também estava travado.
Com um grunhido inarticulado, Rodrigo usou toda a sua força para apertar o botão que lhe libertaria daquele aperto sufocante do cinto de segurança.
Ainda bem que o airbag não disparou”, pensou. Estranho era pensar que dois minutos antes tinha se jogado para a morte.
Mágica, e o cinto finalmente o libertou do abraço mortal. Ele caiu com o pescoço dobrado comicamente no teto do carro virado. Pela janela, só via a grama.
Pensou que veria as patas do animal que teria se aproximado e causado aquele farfalhar, mas não viu nada.
Não havia quebrado nenhum osso, nem ficado realmente machucado, e isso era bom.
Rastejou como pôde em meio a vidro quebrado e pontas de metal torcido, até que, enfim, conseguiu sair pela janela quebrada sem muitos arranhões.
Tentou se por de pé apoiando-se no carro, mas os joelhos não deixavam, então ele só escorregou lentamente pela lateral.
Sentou-se na grama com as pernas abertas e jogadas no chão de qualquer jeito, arfando e suado, mal se dando conta do que tinha feito – ou da mulher parada docilmente a uns dois metros dali. Percebeu que não sentia mais aquele fedor desde que acordara de cabeça para baixo, e viu que podia respirar normalmente de novo.
Ali estava ele, sentado na grama de olhos fechados, sujo e sangrando ele vários lugares, o terno caro encharcado de lama e suor, o seu carro do ano destruído.
Finalmente, olhou para frente e viu a mulher no vestido rosa, os pés encobertos pela grama.
A mulher – que não passava de uma moça – era linda e jovem, assim como aquela que aparecia nos seus sonhos. Usava um leve vestido rosa que poderia ser feito de papel-manteiga, e que deixavam ver boa parte do corpo bem delineado e de pele branca como a neve.
Ela se aproximou dele, fazendo aquele leve farfalhar, como se estivesse deslizando pela grama. Ele a fitou de olhos arregalados, sem saber o que dizer.
“Quem... Quem é você?”, perguntou.
“Eu?”, perguntou ela, os cabelos castanhos esvoaçando com o vento da floresta. “Eu tenho muito nomes,”, suspirou e olhou para o céu, “mas se quiser me chamar de algo, chame de Melissa”.
“Melissa...”, parou e refletiu, “Melissa, você... Você é um anjo?”
Ela riu docemente, levando uma das mãos à boca.
“Algo do tipo”.
“Leve-me daqui”, disse ele abruptamente.
“Sim, é o que eu tenho que fazer”.
“Sonhei com você, não sonhei?”.
Ela riu de novo.
“‘Abra os olhos, sinta a brisa, venha até mim’”, uma risadinha, “Sim, fui eu”.
Ele se levantou tropegamente, mas seus joelhos cederam e ele ficou apenas ali, parado de joelhos, olhando para aquele rosto de beleza angelical.
“Quer vir comigo?”, Melissa perguntou. E ele assentiu fracamente com a cabeça. Ela sorriu à resposta, e o abraçou.
No começo, ele achou que ela quisesse confortá-lo, mas então viu, por cima dos ombros daquela mulher, um lindo par de asas se abrindo – asas de borboleta, tais como nos sonhos. Ela o virou com braços surpreendentemente fortes, num abraço pelas costas e alçou vôo pelo céu azul da manhã de quarta-feira.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Você não sabe? Um sorriso pode mudar o mundo. Parte 1

Vem aí uma pequena história que deve ser dividida em duas partes ou três.
Não é um conto de terror, tampouco é triste - quem sabe até seja, para alguns. Talvez seja até um pouco romântico demais pro meu estilo. É um conto confuso. Não se deixem levar pela primeira impressão: esse conto é bastante dúbio, suspeitem do que está óbvio demais.
Enfim, a quem ler e não entender o que eu quis dizer com o parágrafo acima, leia de novo. A quem ler e entender, vocês vão ganhar um biscoito :)




Ele enxugou as mãos demoradamente e saiu do banheiro sentindo o ar frio nas mãos úmidas.
Ele andou por entre as pessoas no shopping, desviando uma a uma lentamente, como uma folha de papel, até chegar na loja certa.
Era uma loja toda em branco, cheia de objetos brancos e transparentes. Nas estantes, liam-se produtos de limpeza de todos os tipos, antissépticos bucais, sabonetes - líquidos e em barra -, esfoliantes, shampoos, pastas de dentes. Era o paraíso da higiene pessoal e da casa.
Rogério entrou na loja esfregando as mãos uma na outra, olhando meio perdido por entre as estantes.
Tirou o papel que tinha no bolso e começou a lê-lo apertando-o bem perto do rosto. Era uma lista de compras que tinha feito antes de sair de casa, e agora ele estava se preparando para o estoque semanal.
Pegou um pano no mesmo bolso e, com o pano, agarrou a barra de uma das cestas de compra. Tirou uma caneta do bolso e começou a pegar os produtos incrivelmente polidos das prateleiras.
Começou então a andar rápidamente por entre as pessoas, ainda desviando de cada uma delas como uma folha de papel no vento, até que esbarrou numa moça de uns 25 anos, derrubando a caneta no chão com o choque.
A jovem negra sorriu para ele, pedindo desculpas, e rapidamente se abaixando para pegar a caneta no chão.
- Desculpe, senhor, eu não estava prestando atenção, perdão - e sorriu-lhe um lindo sorriso, como aqueles de propaganda de creme dental.
Rogério parou e simplesmente a encarou abismado. A moça então ofereceu-lhe a caneta de volta, ainda sorrindo, um tanto envergonhada. Ele olhou da moça, ao chão, à caneta, à sua mão estendida num pequeno gesto de polidez.
Segundos se passavam, e, o que antes havia sido apenas um contratempo sem importância para a moça, agora estava assustando ela. O homem parado à sua frente ofegava um pouco, e olhava a caneta com um horror nos olhos. Joana se perguntava se ele estaria tendo um ataque cardíaco.
O homem balbuciou alguma coisa e começou a se mover - queria sair dali o mais rápido possível.
Àquela altura, a situação já estava atraindo olhares de curiosos e de pessoas alarmadas com a atitude do homem.
Ele tentou correr e tropeçou, as compras caindo no chão junto com seu dono.
Por reflexo, Rogério pôs as mãos na frente do corpo, mas, assim que o fez, soltou um ganido baixo e se virou de costas, encarando o teto brandamente iluminado.
- E...sujo, sujo, SUJO!
Ele se levantou e correu da loja. Os outros compradores (e outros curiosos que simplesmente haviam passado pela loja) fizeram um corredor relutante enquanto ele passava.
Joana, ainda parada no mesmo lugar, segurando a caneta e olhando para a situação, decidiu de pronto: iria atrás dele, e daria aquela caneta para ele, custasse o que custasse.
Saiu correndo da loja, procurando o homem fugitivo, avistando-o correndo para o banheiro.
Quando ela entrou lá, havia algumas pessoas paradas do lado de fora do banheiro masculino.
- O que aconteceu aqui? - perguntou ao público intimidado.
Um garoto de uns 14 anos respondeu para ela um tanto assustado:
- Tem um cara aí tendo um ataque histérico, ou coisa do tipo. 'Tá usando todo o sabonete líquido, assustou todo mundo.
Ele olhou em volta, procurando confirmação. Como ninguém falou nada, ele continuou.
- Eu dei só um toque no braço dele, para ver se 'tava tudo bem, e ele começou a gritar! Sério, o cara é doido, se eu fosse você, não entraria aí não.
Joana olhou para os outros, incrédula.
- Tem um homem ali precisando de ajuda, e vocês só pensam em assistir ao espetáculo, não é? Pois bem, eu vou entrar lá.
Joana virou-se decidida para a porta do banheiro.
Não ia deixar aquele homem - fosse o que fosse o nome dele - ser vítima de alguma gozação, ou que fosse filmado por ter um ataque num local público!
Ela entrou no banheiro masculino, e viu a cena.
O homem desconhecido da loja de produtos de higiene estava loucamente esfregando as mãos, chorando enquanto fazia isso. Ele havia arrancado o aparelho de sabonete líquido da parede, e agora estava enfiando a mão dentro dele, lavando as mãos de um jeito completamente obsessivo.
Ele estava gritando consigo mesmo coisas sem sentido. Só de vez em quando ela entendia o que ele queria dizer - era algo com sujeira, imundície, precisava tirar a sujeira, acabar com tudo.
Ele parou e olhou para ela, parando de chorar e só soluçando um pouco.
- Veio me entregar a caneta? - ele olhou para baixo, tristonho - Eu fiz um escândalo, não é? Eles vão todos rir de mim quando eu sair daqui. Vão todos... VÃO TODOS! Todos eles vão rir, e vão rir, e apontar seus dedos sujos na minha cara! Vão me fazer tocar em... Em... Em sujeira... Vão...
- Não, não vão - ela cortou - acalme-se, por favor. Qual é o seu nome?
Soluçou um pouco e respondeu:
- Ro-rogério.
- Então, Rogério, eu vou falar com o pessoal lá fora, e vou dizer para eles irem embora. Não vou deixar que eles façam nada com você.
Ele olhou para ela com uma expressão desoladora e cética, não acreditando naquilo.
Mas ela foi. Ela foi ao lado de fora e falou a eles, e eles foram embora.
Alguns ficaram, mas não falaram nada.
Joana voltou e convenceu Rogério a sair do banheiro, antes que chamassem os seguranças.
Ela o acompanhou até o carro dele, desejou boa noite, dando um leve toque na sua mão.
Ele ficou olhando para a mão que havia sido tocada, sentido um misto de felicidade e repulsão.
Ela então estendeu a caneta para ele, e sorriu para ele.
Rogério estendeu a sua mão e pegou a caneta, sentindo o peso dela na mão, avaliando a sensação em tocá-la.
Ela lhe sorriu novamente e foi embora.
Enquanto via as costas da linda negra, o homem voltou a si e levou uma das mãos ao bolso, para pegar o pano e usá-lo para abrir a porta.
De repente, pegou-se olhando o pano.
"Hoje não".
"Hoje não".
E jogou o pano fora, abrindo a porta com a mão.
Mal sabia ele que, no momento em que falhou em se desviar de quem era até o momento só um passante, sua vida tinha mudado.
De agora em diante, seria um novo homem.

domingo, 17 de julho de 2011

A Rainha-Mariposa - Parte Um

O meu maior orgulho como escritor de contos.
 

“Abra os olhos, sinta a brisa, venha até mim.”
            Aquela voz. Dizia coisas sem sentido em seu ouvido. Aquele sonho foi tão real quanto a luz solar que invadia seu olhos, mas não podia ser.
            No sonho, ele era levado nas asas de uma linda borboleta, flutuava no céu e podia ver as outras borboletas acompanhando o vôo.
A voz feminina era constante naquele doce sonho, e repetia maravilhosamente aquelas palavras. Então a borboleta se desfazia como numa mágica, revelando uma mulher, a mais bela das mulheres.
Calmamente, ela colocava a mão em sua testa, lhe sussurrava aquelas palavras num doce canto de amor.
Ela se inclinava num beijo proibido e ele acordava.
Acordou. Rodrigo se pegou com uma pequena lágrima nos olhos e enxugou-a. Levantou-se lenta, mas corajosamente para mais um dia de trabalho. Foi até a cozinha preparar o café da manhã.
Rodrigo Batista era um homem relativamente jovem, no alto de seus 27 anos, que morava sozinho num apartamento em Salvador. Tinha um bom negócio imobiliário, tinha dinheiro suficiente para viver uma boa vida de solteiro. Era livre, desimpedido, e, como dizia seu único sócio e amigo de infância, Paulo, tinha uma mina de ouro nas mãos.
Mas toda essa alegria não servia de nada de noite. Nas madrugadas da vida, olhando pro teto de seu apartamento, pensando. “Vou viver assim para sempre?”.
Silêncio. Então não era silêncio.
Vinha aquela voz, a música de ambiente da sua vida. E não parava.
Era o sonho outra vez se tornando real. Outra vez tomando espaço em seus ouvidos, rastejando do fundo de sua mente com aquela voz pretensiosa, sibilando promessas ao seu ouvido. “Estou ficando louco.”
Bebeu o café a um só gole, sem parecer se importar com a língua queimada. Andou pela cozinha fazendo muito barulho, a fim de espantar a voz, sem muito sucesso.
Pensou na ex-noiva, em como ela o havia traído e ainda jogado a culpa nele. “Você é egoísta, imaturo e mesquinho! Vê se some da minha vida. NÃO VOLTE NUNCA MAIS!”.
Suspirou. Pensou nos amigos que tinha, os verdadeiros. A lista que contava não era extensa: apesar de sua juventude, ele sempre fora retraído, e não viveu uma adolescência de aventuras, como muitos dos seus colegas de classe.
Pensou no seu melhor amigo e sócio, Paulo. Ele já tinha constituído família e tinha agora dois filhos no forno, como gostava de dizer. Gêmeos.
Estava deprimido, e sabia. Sabia como seria a depressão, sabia o que aconteceria, sabia que sua melhor chance era tentar conhecer novas pessoas, tentar fugir disso. Se não...
Veio-lhe um fedor amargo, porém leve.
Não que isso importasse, não sentia que jamais voltaria a ver aquele apartamento, então, deixasse que fedesse. Era isso, ele havia feito sua decisão. Iria abraçar a morte que o esperava funesta no fundo da depressão.
Pegou seu isqueiro e acendeu um cigarro, pondo-o no bolso da calça.
Aquela quarta-feira seria a última de sua vida.


Um acidente de carro. Trivial. Você entra numa faixa de sentido contrário à sua, num fingido ato de descontrole. Espere a batida, dois toques.
Tudo numa boa.
Seria tudo um acidente. Ninguém jamais saberia a verdade, mas isso não o conformava: parecia tudo inútil. Àquela altura estava com o fedor amargo e indistinguível impregnado nas narinas. A cada inspiração, o ar que entrava em seus pulmões era denso, estagnado, estragado.
Num lapso de epifania ele soube o que era aquele fedor. Era morte.
Morte seca, putrefata, o fedor que somente algo que rastejou para fora do túmulo teria. E vinha de todo lugar à sua volta, vinha dele mesmo.
Suspirou uma vez o ar pesado.
Era hora.