quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"Independentemente do que diga o seu confiável Timex" - Parte Um

Olhou para o relógio e este anunciava em grandes números brilhantes - três horas da manhã.
Ela lentamente se levantou da cama, balançando a cabeça incompreensiva, esfregando os olhos incrédulos.
Lera em algum lugar sobre isso, a ilusão de horário humana.
"Agora é noite, e a hora é nenhuma".
Fosse o que fosse, era tarde.
Ela era uma mulher alta e magra, muito branca, branca até à anemia.
Seu nome era Charlotte.
De pronto, olhou para o quarto escuro, detentor dos seus poucos bens materiais, em busca do papel -oh, aquele papel era tão importante para ela quanto sua vida, até mais.
Pegou-o sobre um livro qualquer, talvez até o mesmo em que tivesse lido aquela frase.
"Agora é noite, e a hora é nenhuma".
Vestiu-se rapidamente das vestes negras sem se preocupar com o banho - havia tomado um antes de ir dormir.  Prendeu os negros cabelos num coque arrojado, primando a mobilidade.
Saiu do quarto e olhou o corredor escuro.
A menina Charlotte - Charlie, na escola - tinha medo de escuro. Tinha medo daquilo que ganhava vida e forma na escuridão, do que podia, no escuro, rastejar para fora de seu úmido esconderijo em busca de presas. Mas a Charlotte adulta não tinha medo do escuro.
Já havia visto coisas demais para temer o escuro.
Portanto, começou a andar pelo apartamento, indo até a cozinha, localizando suas chaves, e finalmente se dirigindo até a porta.
Abriu a porta e saiu.

- - - - - -

Nenhum ônibus roda as três da manhã, tampouco algum pedreste, mas carros? Sim, havia muitos carros na ruas àquele horário.
Havia, portanto, uma ambulância insuspeita parada na frente do prédio, esperando-a.
"Entre", disse o motorista, e ela entrou, sentando-se ao seu lado.
Ao volante, havia um homem que não se apresentara, vestindo uma roupa completamente preta e um quepe que lhe escondia a testa toda.
"Pegou papel?", perguntou.
"Claro que sim, não esqueceria dele por nada".
"Então deixe-me ver"
Ele se virou para pegar o papel na sua mão, e, por um instante, a luz da rua iluminou toda a sua face, e Charlotte teve certeza de ter visto algo na sua testa, a que o quepe escondia, algo brilhante - enervante.
"Tem idéia de que horas são, mulher?, não me faça perder tempo!".
Foi quando ela se tocou de que estivera parada olhando para o lugar onde segundos antes esteve a testa do homem, e logo voltou a si com um leve chacoalhar de cabeça.
"Agora é noite, e a hora é nenhuma", pensou em dizer, mas ficou calada, e apenas entregou-lhe o papel.
"Muito bem, muito bem, você fez seu dever de casa
"Agora vamos ao trabalho".
Ele começou a manobrar a ambulância rapida e habilmente, enquanto Charlotte recostava a cabeça e observava o leve fluxo de carros da madrugada.
Nenhum deles disse nada por cerca de vinte minutos, até que houve um buraco de quê o motorista não pode se desviar, fazendo com que a ambulância caísse nele com um estrondo.
Ela ouviu coisas se revirando na parte de trás da ambulância, sem se preocupar com o barulho - certamente não havia ninguém por lá.
Então ela ouviu um grunhido.
Ela se virou e olhou pela janela que dava para o compartimento anterior do veículo.
Estava escuro, e não havia, afinal, nada para ser visto. Mas ela sentiu algo lá.
Sentiu um par de olhos a encarando com nada mais do que puro desprezo. Algo horrível, a olhando no escuro. Algo que sabia demais.
O motorista soltou um suspiro.
"Não há nada aí atrás, essa é só uma ambulância roubada, tudo bem?
"Não há nada aí".
Charlotte voltou rapidamente à posíção original e balançou a cabeça, concordando avidamente.
Naquele momento, ela começara a se perguntar sobre o escuro e o que ele esconde.
Se não temê-lo era a escolha certa.
"OK, garota, esta é a sua hora", o homem disse.
"Hã?"
"Chegamos, querida".
Ela assentiu com a cabeça, voltando a si. Tirou o cinto de segurança e abriu a porta.
Pôs um pé, depois o outro, na calçada da noite fria, iluminada pelos postes de luz.
Fechou a porta, e ouviu a ambulância ir embora.
Foi tomada por um súbito desejo de ver as horas, então levantou o pulso esquerdo e olhou o relógio prata.
Ele estava fazendo um barulho estranho, como se algo dentro dele tivesse quebrado.
Iluminados pela luz branca dos postes, os ponteiros do relógio estavam andando para trás e para frente num movimento desregrado.
Ela abaixou o pulso, se arrependendo de não ter trago nenhum celular.
"Quem quer que tenha escrito aquilo estava certo", falou em voz baixa.
"Agora é noite, e a hora é nenhuma".

2 comentários:

  1. Tenho certeza que a falsa italiana estava ali atrás da ambulância. :)!

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  2. ahuehaueahueaeuaheuuaheuahea
    eu demorei pra entender :)

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