terça-feira, 29 de maio de 2012

Laura, as covas, os mortos e os fogos

No meu sonho, eu estou correndo em meio à névoa, perdida na escuridão.
Nele, não há nem chão, nem céu, nem nada.
Só há aquela névoa e o escuro.
A tão-presente escuridão.
Eu tropeço em algo e caio. Eu não caio no chão. Eu caio. E é cair que me mata.
Eu estou caindo, ainda; minha mente grita que o chão já deveria haver aparecido, que isso não faz o menor sentido, que uma queda não duraria tanto, que...
Eu aterrisso com um estrondo no chão duro de terra. Pela primeira vez no sonho, eu posso ver alguma coisa, e a primeira coisa que eu noto é onde eu estou.
É um buraco escavado retangularmente na terra, nem muito fundo, nem muito raso.
Eu vejo algo de relance, um brilho e uma sombra, algo de vivo naquela mórbida paisagem, e eu sei bem onde estou, pois já estive aqui antes.
É uma cova. E aquele é o coveiro, e ele vai me enterrar viva, e eu vou ficar para sempre sozinha nas frias entranhas da terra.
A primeira pá de terra cai do céu como um ataque aéreo na segunda guerra mundial.
A segunda, a terceira, a quarta, a quinta, e eu estou lá, deitada no chão, até que decido me levantar e sair daquele túmulo, e começo a escalar as paredes de terra da minha prisão.
Quando finalmente chego na surperfície, o coveiro já parou de tapar a cova com areia, e está olhando para mim com olhos frios e úmidos.
Ele era um homenzinho encurvado, baixo, um pouco gordo, mortificamente branco, como os mortos que ele enterra todo dia.
Ele diz alguma coisa incompreensível, aquele ar rançoso e arrastado naquela boca enegrecida. Eu não vi nenhum dente lá. Também não acho que houvesse. Depois volta a tapar o buraco, apesar de já não haver nada alem da névoa lá.
Eu começo a correr de novo, mas, dessa vez, eu sei onde estou. É um cemitério, e eu tento achar o portão de entrada, perdida na escuridão - mas a idéia de voltar e perguntar ao coveiro tanto me assusta quanto me enoja. Eu entro numa ala cheia de túmulos antigos, e me vejo cercada por todas aquelas cruzes e flores, e anjos, e epitáfios que nem sei para onde olhar.
Eu olho para um buraco na terra. Dentro dele, um caixão destruído, sem cadáver.
Eu me pergunto se o coveiro andou enterrando algum outro vivo por aqui, mas eu acho que não. Eu  vejo e tenho certeza.
Corro.
Minha sombra se estende pelo chão como se se arrastasse no mesmo passo que os mortos dali.
Os mortos que saem à noite.
Os mortos que saem à morte.
Eu corro. Por dimensões irreais. Pesadelos incontidos.
Corro, e, por mais que eu corra, não chego em lugar nenhum.
A voz do coveiro-caveira - por que eu pensei nisso? - me chega pelas costas, escala pelos ombros e lambe os ouvidos, putrefata.
"E que mais adianta correr.
"Que a história restaura de uma vez.
"E o grito suave da meia-noite,
"Ergue-se como todos os mortos, os corpos, e os fogos.
"Ergue-te"
Ergo-me e abro os olhos.
Os fogos estão lindos este ano.

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