sexta-feira, 30 de março de 2012

Como o céu de outono

Então era verdade.
Vê-la ali, morta, seca, murcha, a fazia chorar muito.
Mais do que quando seu pai morrera? Não sabia dizer.
Talvez isso já fosse uma resposta em si só.
"Clara está morta", pensou, as palavras estranhamente vazias, anunciando friamente a tragédia.
"Bem, pelo menos você pode ir procurar um marido...", disse sua mãe, "Agora que essa aí morreu".
Soraia olha a mãe nos olhos, sentindo um ódio que jamais sentira por ela. Ela já a tinha odiado antes, mas naquela hora...
Ela chora.


"Você vai guardar tudo isso?"
O apartamento cheio de objetos pessoais de Clara.
Fotos, móveis, livros - muitos, Clara adorava ler -, filmes, roupas.
Sonhos.
"Não sei...", responde.
"Soraia..."
Miguel se aproxima e tenta abraçá-la, mas ela o evita.
Ele toma distância.
Ela começa a chorar e ele não sabe o que fazer.
Se senta no chão acarpetado e olha para ela, olhar triste.
A campainha toca. Miguel atende e vê Susana, chorosa.
Ele queria beijá-la, mas ela queria um abraço dele.
Susana era irmã de Clara, e casada com Miguel.
Ela o abraça e vai correndo até Soraia, sentada no sofá.
As duas choram abraçadas enquanto Miguel as observa, ele mesmo querendo um abraço.


Soraia fez café.
Tinha açúcar demais, mas nenhum deles se importou.
Miguel olha e vê dois fios ruivos na mesa de granito.
Não era a cor original dela, mas era a mais bonita.
"Ela nunca exagerava o açúcar", começa Susana.
"Duas colheres e meia", completa Soraia.
Eles tomam um gole simultâneo do café, pensando ainda nas duas colheres e meia.
"Lembram de quando nós fomos ao parque, e ela se perdeu nas cerejeiras?", pergunta Miguel.
"Ela disse que queria voltar, mas estava tudo tão bonito que ela simplesmente decidiu andar até o rio", lembra Soraia.
"E chamou a gente para lá e improvisamos um piquenique lá mesmo...", Susana diz, "Eu trouxe pão, queijo, presunto, e Coca-cola".
Eles param o café e olham para os fios de cabelo, como se eles fossem parte da conversa.
"Ela estava indo para lá", diz Soraia.
"Estava?", Miguel não sabia disso.
Sabia das circunstâncias, lógico.
Ela estava na calçada, passeando, quando uma mulher perdeu o controle e a atropelou. Ela nunca soube que fora atingida.
Ainda tinha um longo processo pela frente.
Audições. Julgamentos. Acordos.
Mas isso estava longe.
Clara estava morta, e dinheiro nenhum a traria de volta.


"Acho que devemos ir até lá", sugere Miguel.
"Aonde", pergunta Soraia.
"Ao parque, em memória dela"
E foram.
Andaram até a beira do rio e sentaram lá.
Comeram sanduíches de queijo, presunto com Coca-cola, enquanto viam o sol descer sob as róseas copas das árvores e o céu adquirir um tom vermelho intenso.
Vermelho como os cabelos de Clara.

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